Ele procurou as chaves no bolso e abriu porta devagar, fechando a porta atrás de si com um suspiro. Aquela casa, agora que ela se tinha ido embora, parecia-lhe enorme, vazia. Dirigiu-se à cozinha, tirando uma cerveja do frigorífico, ritual que se tinha instalado na sua recente vida de solteiro forçado, e instalou-se no sofá a sorver o fumo de um cigarro.
Se calhar devia mudar de casa, mas aquela trazia-lhe tantas recordações...ali o quarto, cúmplice de conversas sobre a vida, de carícias trocadas entre dois corpos que se amavam e de tantas noites sem dormir; além a casa de banho, onde ainda se sentia o perfume que ela usava, aquele perfume suave mas inebriante, que fazia estremecer o seu ser; aqui a sala, onde as linhas dos livros tinham ganho vida sob as suas mãos. Como ele tinha saudades daquelas mãos, finas, de dedos longos, que deslizam pelas folhas dos livros como quem faz uma carícia...
Ele ainda não acreditava que aquilo lhe tinha acontecido... Foi há 2 semanas: entrou em casa como de costume, e à entrada estavam umas malas. Ela estava na sala à sua espera, e disse-lhe apenas "Olha, a chama do nosso amor apagou-se, já não dá mais. Foi bom enquanto durou, mas vou-me embora". Ele ainda tentou que ela lhe dissesse algo em concreto, se era um amante, o que se passava, mas o problema não era alguma infidelidade, tinha sido apenas um ciclo que chegava ao fim. As coisas acabaram assim, sem gritos, sem escândalos, apenas um fechar suave da porta, e ele catatónico, ali plantado na sala. Não conseguia perceber...Caramba, sempre foram 5 anos de vida em comum, e acabava assim, sem mais. A vida em si já é uma coisa bastante frágil, podemos ir desta para melhor a qualquer momento, mas as relações ainda mais frágeis são, pensou ele, desenhando espirais de fumo no ar. Pensamos nós que estamos a construir algo sólido, sobrevivemos a tempestades, planeamos sonhos, e no final de contas, vem um pouco de vento pela janela e apaga a chama desse amor. Acaba com um simples "já não dá mais". Se calhar devia ter lutado mais por esse amor, pensou ele...mas se calhar era como o Rui Veloso dizia "A minha paixão por ti era um lume, que não tinha mais lenha por onde arder".
Decididamente, tenho de mudar de casa, pensou ele, levantando-se para ir buscar mais uma cerveja ao frigorífico.