quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

PATOS SELVAGENS

PATOS SELVAGENS

“ Era uma vez um bando de patos selvagens que voava nas alturas. Lá em cima era o vento, o frio, os horizontes sem fim, as madrugadas e os poentes coloridos. Tudo tão bonito! Mas era uma beleza que doía. O cansaço do bater das asas, o não ter casa fixa, o estar sempre voando e as espingardas dos caçadores... Foi então que um dos patos selvagens, olhando lá das alturas para a terra aqui em baixo, viu um bando de patos domésticos. Eram muitos. Estavam tranquilamente deitados à sombra de uma árvore. Não precisavam voar. Não havia caçadores. Não precisavam buscar o que comer: o seu dono lhes dava milho diariamente. E o pato selvagem, invejou os patos domésticos e resolveu juntar-se a eles. Disse adeus aos seus companheiros, baixou seu voo e passou a viver a vida mansa que pediu a Deus. Assim viveu por muitos anos. Até que... Até que, num ano como os outros, chegou de novo o tempo da migração dos patos selvagens. Eles passavam nas alturas, no fundo azul do céu, grasnando, um grupo após outro. Aquelas visões dos patos em voo, as memórias de alturas, aqueles grasnados de outros tempos começaram a mexer com algum lugar esquecido dentro do pato domesticado, o lugar chamado saudade. Uma nostalgia pela vida selvagem, pelas belezas que só se veem nas alturas, pelo fascínio do perigo... Até que não não foi mais possível aguentar a saudade. Resolveu voltar a ser o pato selvagem que fora. Abriu as asas, bateu-as para voar, como outrora... Mas não voou. Caiu. Esborrachou-se no chão. Estava gordo demais. E assim passou o resto de sua vida: em segurança, gordo de barriga cheia, protegido pelas cercas e triste por não poder voar..."

Rubem Alves

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