quinta-feira, 16 de junho de 2016
5
O discurso de uma criança de cinco anos para o mundo
Tenho 5 anos e chamo—me Ana, e acho que tu, mundo, és um lugar triste porque estás sempre a fazer as pessoas chorarem, como a minha mãe por exemplo. Ela brinca muito comigo, e faz—me rir muito, é muito divertida, mas às vezes à noite eu ouço—a a chorar muito baixinho. Deve ter saudades do meu pai, eu também tenho muitas, a minha mãe diz que ele morreu com overdose. Eu não sei o que essa palavra quer dizer, mas acho que deve ter a ver com as picas que tinha no braço. Durante algum tempo, sempre que ia ao médico levar a vacina ficava cheia de medo de morrer, e não queria ir, mas a minha mãe disse que há picadas boas e picadas más.
No outro dia no supermercado, encontrámos a vizinha e ela estava a chorar. Disse que os homens das Finanças tinham ido lá a casa, e que ia ficar sem casa. Fiquei muito assustada, e nesse dia à noite perguntei à minha mãe se nós também íamos ficar sem casa. Ela respondeu que não, que ia fazer tudo para que isso não acontecesse, mas toda a gente aqui no bairro está assustada e triste. De vez em quando vejo as pessoas chorarem e dizerem que as Finanças lhe ficaram com a casa, com o carro ou com o ordenado. Devem ser mesmo maus e sempre que eu não quero comer a sopa, a minha mãe diz que vai chamar os homens das Finanças. Como logo tudo, tudo, nem deixo nada no prato.
Mas também acho que tens coisas bonitas, tenho muitos amigos e brincamos até anoitecer.
Mas a coisa mais bonita que tens é o sorriso e o abraço da minha mãe.
Da tua amiga, Ana.
4
Todas as frases começadas pela letra "a"
Apenas queria sentir o frio suave da arma contra a minha cabeça, e depois...Disparar!
Às vezes penso que apenas continuo viva só para te contentar.
Agarrada a um mero fino fio que há muito se quebrou,
Anestesiada pelo cheiro pútrido dos arrabaldes, pobres e miseráveis e sempre iguais a si mesmos.
A vidinha tão rotineiramente vivida,
Apegada a dias tão triviais, tão cheios de rotinas, horários e pormenores.
A vida toda, toda, contida numa simples maleta de mão…
Ali jaz toda a minha existência, todo o meu eu, numa mera mala de mão.
As horas...E as horas?
As horas que tenho de enfrentar...o amanhã e o dia depois de amanhã, e o dia depois...
A sucederem-se interminável e imutavelmente,
Aguentando esta farsa disfarçada de vida.
Ali ao canto a morte olha de volta para mim, tão pacifica, com os seus olhos abertos e respiração impercetível,
Abandono-me ao seu mortal beijo, e desta vez entrego-me a ela,
A ela, só a ela,
Abandonando-te a ti...
3/2
"Orgulho, vaidade, despeito, rancor, tudo passa, se verdadeiramente o homem tem dentro de si um autêntico sonho de amor."
Sonho, foi aquilo que eu vivi contigo, e eu, feito camelo deitei tudo a perder…Iludido pelos nossos dias imperfeitos, saí em busca dessa perfeição inexistente, e tu fechaste a porta. Levaste as tuas roupas, as tuas lágrimas, o teu cheiro. O amor é idiota, mas o orgulho é-o ainda mais, e eu, convencido da minha razão, do alto da minha soberba, não fiz sequer um pequeno esforço para te impedir de saíres da minha vida.
Não sei se foi por altivez ou apenas por mero medo que me visses chorar, e os homens nunca choram, mas a verdade é que deixei a letargia tomar conta de mim, os pés com vontade de correrem até ti, mas as pernas teimosamente a ficarem quietas.
Por vezes penso se aquilo que sentia por ti seria amor, ou apenas uma paixão latejante, pois se de amor se tratasse, eu arrebentaria as rédeas desta vaidade incapacitante, e correria feito louco atrás de ti, não importando se os pés se embrulhassem, fazendo-me tombar nas ruas vazias, tão vazias como eu estou agora sem ti.
E agora que te perdi, e és um mero sonho, descubro-me vazio, oco, perdido, faminto de ti.
Conteitei-me com o orgulho…
O orgulho é idiota.
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