sábado, 26 de agosto de 2006

Fragilidades

Ele procurou as chaves no bolso e abriu porta devagar, fechando a porta atrás de si com um suspiro. Aquela casa, agora que ela se tinha ido embora, parecia-lhe enorme, vazia. Dirigiu-se à cozinha, tirando uma cerveja do frigorífico, ritual que se tinha instalado na sua recente vida de solteiro forçado, e instalou-se no sofá a sorver o fumo de um cigarro.
Se calhar devia mudar de casa, mas aquela trazia-lhe tantas recordações...ali o quarto, cúmplice de conversas sobre a vida, de carícias trocadas entre dois corpos que se amavam e de tantas noites sem dormir; além a casa de banho, onde ainda se sentia o perfume que ela usava, aquele perfume suave mas inebriante, que fazia estremecer o seu ser; aqui a sala, onde as linhas dos livros tinham ganho vida sob as suas mãos. Como ele tinha saudades daquelas mãos, finas, de dedos longos, que deslizam pelas folhas dos livros como quem faz uma carícia...
Ele ainda não acreditava que aquilo lhe tinha acontecido... Foi há 2 semanas: entrou em casa como de costume, e à entrada estavam umas malas. Ela estava na sala à sua espera, e disse-lhe apenas "Olha, a chama do nosso amor apagou-se, já não dá mais. Foi bom enquanto durou, mas vou-me embora". Ele ainda tentou que ela lhe dissesse algo em concreto, se era um amante, o que se passava, mas o problema não era alguma infidelidade, tinha sido apenas um ciclo que chegava ao fim. As coisas acabaram assim, sem gritos, sem escândalos, apenas um fechar suave da porta, e ele catatónico, ali plantado na sala. Não conseguia perceber...Caramba, sempre foram 5 anos de vida em comum, e acabava assim, sem mais. A vida em si já é uma coisa bastante frágil, podemos ir desta para melhor a qualquer momento, mas as relações ainda mais frágeis são, pensou ele, desenhando espirais de fumo no ar. Pensamos nós que estamos a construir algo sólido, sobrevivemos a tempestades, planeamos sonhos, e no final de contas, vem um pouco de vento pela janela e apaga a chama desse amor. Acaba com um simples "já não dá mais". Se calhar devia ter lutado mais por esse amor, pensou ele...mas se calhar era como o Rui Veloso dizia "A minha paixão por ti era um lume, que não tinha mais lenha por onde arder".
Decididamente, tenho de mudar de casa, pensou ele, levantando-se para ir buscar mais uma cerveja ao frigorífico.



9 comentários:

  1. Anónimo15:24

    poderoso posT!! de uma realidade quotidiana que cada vez o tempo tende a queimar! confunde-se amor com paixão e queimam-se destinos....trivialmente. fica o vazio, a dor e a necessidade urgente de esquecimento...sem lutas!

    um imenso abraço para ti camarada!mais logo reabre o interiornorte! passa por la e brinda comigo!

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  2. Anónimo23:49

    E que seja infinito enquanto dure...já dizia o Vinicius

    beijo*

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  3. Anónimo09:50

    Já repararam que quem mais se preocupa com o "mastiga e deita fora" são os que estão preste a pular do barco. Mesmo que não estejam ainda consciêntes disso.

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  4. Mac, mais um belo texto, sem dúvida...
    Consegues sempre transformar a realidade em palavras tão suavemente enquadradas que tornam cada imagem mais terna, ainda que doa vê-la, cada instante actual mais doce, ainda que cruel...

    E vinha eu cá apenas para agradecer as palavras deixadas na minha casinha... É tão bom ter surpresas assim...

    O amor pode ser eterno, como a chama, enquanto dura, sim... Mas cada vez há mais vento a apagar as velas que tanto custam a acender...

    Um beijo doce, Mac,
    é sempre bom passar por aqui...

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  5. Mac, mais um belo texto, sem dúvida...
    Consegues sempre transformar a realidade em palavras tão suavemente enquadradas que tornam cada imagem mais terna, ainda que doa vê-la, cada instante actual mais doce, ainda que cruel...

    E vinha eu cá apenas para agradecer as palavras deixadas na minha casinha... É tão bom ter surpresas assim...

    O amor pode ser eterno, como a chama, enquanto dura, sim... Mas cada vez há mais vento a apagar as velas que tanto custam a acender...

    Um beijo doce, Mac,
    é sempre bom passar por aqui...

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  6. Anónimo19:23

    Mac, mais um belo texto, sem dúvida...
    Consegues sempre transformar a realidade em palavras tão suavemente enquadradas que tornam cada imagem mais terna, ainda que doa vê-la, cada instante actual mais doce, ainda que cruel...

    E vinha eu cá apenas para agradecer as palavras deixadas na minha casinha... É tão bom ter surpresas assim...

    O amor pode ser eterno, como a chama, enquanto dura, sim... Mas c

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  7. quem mais se preocupa com o "mastiga e deita fora", não está prestes a pular do barco. Apenas são atentos à realidade à sua volta, com alguns amigos a viver as agruras duma relação que não está a dar certo. Não pudemos viver num casulo a pensar que é algo que não nos vai acontecer, mas também não pudemos viver nessa angústia constante. Que seja infinito enquanto dure, como diria a minha amiga Gala.

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  8. É verdade que hoje já não há a persistência de outros tempos para fazer durar uma relação. Mas também é verdade que a paixão dura o que dura (pouco, normalmente)e nem sempre se suaviza em amor duradouro. Quando assim é, provavelmente é melhor partir mesmo. **

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  9. Texto bonito e tão presente. É fácil usar-se a palavra Amar sem conhecer sequer uma pequena parte dela. Toda, também seria pedir de mais... um dia, um dia lá chegaremos.

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