Ela tinha vivido os últimos meses no fio da agulha, dia após dia, dependente daquela substância milagrosa, qua afastava aquelas picadas alucinantes de dor e dava-lhe forças para aguentar mais um dia. Encontrava-se agora no limite das suas forças, depois da noite horrível que passou e que ela sabia ser a última. Ela olhou para o lado e os seus olhos encontraram-se com o do marido, junto à cabeceira daquela cama de hospital.
Ele também tinha passado por muito nestes últimos tempos, dando-lhe esperança e forças para combater aquele mal que se tinha apoderado dela, e que lhe corroia o corpo e os sentidos, acompanhando-a durante todo aquele caminho doloroso, gastando as precárias poupanças da família para lhe proporcionar mais um dia de vida.
Vida...Que vida? Se àquilo poderia-se chamar vida...Até já sentia o cheiro da sua carne em decomposição...Meu Deus, ao ponto que pode chegar a degradação humana...
Ele, que nem sequer acreditava na existência de Deus, e que agora pedia para ter mais 1 dia para poder abraçá-la...um sentimento egoísta, ele sabia-o. Sentiu as lágrimas a teimarem em aparecer, fazendo um esforço para contê-las. Ela não devia vê-lo chorar.
"Tens de me deixar ir. Tens de me libertar...", ouviu ela a sussurar por entre os gorgolelos de sangue que já lhe atacavam a garganta. Ele sabia que era verdade...deixou as lágrimas correrem livremente. "Descansa em paz minha querida, obrigada pela felicidade que me proporcionaste. Amo-te muito". E apesar do mar de dores em que ela se encontrava, ela sorriu e soltou um último suspiro.
Ele ficou a olhar aquele corpo mirrado, magro, miserável e quase irreconhecível. A batalha tinha sido ganha pelo cancro...
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